segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

Dominação masculina e mecanismos que a perpetuam

Em “A Dominação Masculina”  (1999),  Pierre Bourdieu  identifica as diferentes instituições que a reproduzem e permitem que seja tão naturalmente aceite:
O trabalho de reprodução [da dominação masculina] esteve garantido, até época recente, por três instâncias principais, a Família, a Igreja e a Escola, que, objetivamente orquestradas, tinham em comum o fato de agirem sobre as estruturas inconscientes. É, sem dúvida, à família que cabe o papel principal na reprodução da dominação e da visão masculinas; é na família que se impõe a experiência precoce da divisão sexual do trabalho e da representação legítima dessa divisão, garantida pelo direito e inscrita na linguagem. Quanto à Igreja, marcada pelo antifeminismo profundo... ela inculca (ou inculcava) explicitamente uma moral familiarista, completamente dominada pelos valores patriarcais e principalmente pelo dogma da inata inferioridade das mulheres.... Por fim, a Escola, mesmo quando já liberta da tutela da Igreja, continua a transmitir os pressupostos da representação patriarcal (baseada na homologia entre a relação homem/mulher e a relação adulto/criança) e sobretudo, talvez, os que estão inscritos em suas próprias estruturas hierárquicas, todas sexualmente conotadas, entre as diferentes ... faculdades, entre as disciplinas ('moles ou duras' ...), entre as especialidades, isto é, entre as maneiras de ser e as maneiras de ver, de se ver, de se representarem as próprias aptidões e inclinações. (p. 103-104).

(…) ... se a unidade doméstica é um dos lugares em que a dominação masculina se manifesta de maneira mais indiscutível (e não só através do recurso à violência física), o princípio de perpetuação das relações de força materiais e simbólicas que aí se exercem se coloca essencialmente fora desta unidade, em instâncias como a Igreja, a Escola ou o Estado e em suas ações propriamente políticas, declaradas ou escondidas, oficiais ou oficiosas... (p. 138) 

quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

Violência simbólica e dominação

  • Para quebrar uma longa ausência, quero partilhar convosco este texto tão lúcido, de Pierre Bourdieu, sobre violência simbólica sofrida por  tantos seres humanos neste nosso mundo, em que a injustiça é naturalizada e a violência se perpetua sem encontrar resistência:


“(..) jamais deixei de me espantar diante do que poderiamos chamar de 0 paradoxo da doxa: 0 fato de que a ordem do mundo, tal como está, com seus sentidos únicos e seus sentidos proibidos, em sentido próprio ou figurado, suas obrigações  e suas sanções, seja grosso modo respeitada, que não haja um maior numero de transgressões ou subversões, delitos e “loucuras"; (…) ou o que é ainda mais surpreendente, que a ordem estabelecida, com suas relações de dominação, seus direitos e suas imunidades, seus privilégios e suas injustiças, salvo uns poucos acidentes históricos, perpetue-se apesar de tudo tão facilmente, e que  condições de existência das mais intoleráveis possam permanentemente ser vistas como aceitáveis ou ate mesmo como naturais. Também sempre vi na dominação masculina, e no modo como é imposta e vivenciada, o exemplo por excelência desta submissão paradoxal, resultante daquilo que eu chama de violência simbólica, violência suave, insensível i invisível a suas próprias vitimas, que se exerce essencialmente pelas vias puramente simbólicas da comunicação e do conhecimento, ou, mais precisamente do desconhecimento e do reconhecimento ou, em ultima instancia, do sentimento.”