domingo, 20 de março de 2011

A ditadura da beleza

O tema do modo como as mulheres se apresentam ou devem apresentar, isto é, a questão da aparência, é espinhoso porque se presta a confusões e a conotações que eu gostaria de evitar. Posto o assunto cruamente: será que as mulheres devem procurar pelo vestuário e comportamento que assumem em público passar uma imagem de discrição e recato ou, se fugirem completamente a este padrão, nada haverá a criticar e a objectar?
De uma perspectiva feminista, defendo que não é indiferente o modo como as mulheres se apresentam aos olhares da sociedade e nesta aos olhares dos homens. A minha postura sobre este assunto não significa que eu comungue os valores da direita religiosa, nem reflecte falsos pudores ou puritanismo. O que acontece é que percebo o que está em jogo e gostaria de evitar que outras mulheres, sob o simulacro de uma falsa liberdade de escolha sejam joguetes da sociedade sexista que entretanto se modernizou e cooptou o vocabulário do feminismo para se manter.
Parto do princípio de que aquilo que uma pessoa veste, como veste e «está» em público, envia sinais para os outros e diz alguma coisa sobre a própria pessoa e por isso não é de menor importância abordar este tema com total franqueza embora nesse percurso, me possa afastar do politicamente correcto. Hoje não é politicamente correcto criticar uma mulher porque veste, por exemplo, saias demasiado curtas, calças muito justas, sapatos de saltos muito altos, mostra a barriga ou os seios exuberantemente; nem tão pouco parece correcto criticar aquelas que decidem submeter-se a intervenções cirúrgicas para dar maior relevo a determinadas características corporais, entendidas como femininas. Admite-se implicitamente que nada temos a ver com isso e cada um/a faz aquilo de que gosta. Mas esquecemos que nestas situações as mulheres estão a enviar sinais que facilitam serem percebidas como objectos sexuais ou como objectos decorativos e assim reforçam um estereótipo secular, no qual desde sempre se tentou encerrá-las, que é extremamente nocivo para a sua realização enquanto pessoas. Se uma mulher não se importa de passar a mensagem de que é uma bunda ou um par de mamas, temos de convir que aceita ou parece aceitar reduzir-se a essa condição, que aceita ser encerrada num corpo e ser valorizada enquanto corpo. De facto não vemos os homens a explorarem os seus próprios corpos dessa maneira e alguns até o poderiam fazer, porque têm belos corpos, mas não o fazem porque não são culturalmente estimulados nesse sentido e porque o seu valor reside no que são e não no que aparentam.
Convém perceber que a moda actualmente exerce a função que antes cabia a outros institutos no sentido de manter as mulheres presas a estereótipos de beleza que só as podem prejudicar; estereótipos que as levam a investir na aparência física acima de qualquer outro aspecto como se o seu destino continuasse a ser pensado única e exclusivamente em termos de acasalamento e da capacidade que possam ter de atrair os machos.
Eu percebo como deve ser difícil para uma mulher, sobretudo se for jovem e atraente, resistir aos apelos constantes da moda e da publicidade, mas lembro-lhe que, para além de outros aspectos, a beleza física é efémera e se tudo lhe sacrificar vai acabar por concluir que fez um péssimo negócio, pois não investiu em si mesma, investiu apenas num simulacro de poder.
Lembro que a ditadura da beleza serve um objectivo e esse é o de escravizar as mulheres e de as obrigar a perseguirem um ideal não só superficial como inatingível; por outro lado, ao estipular que o valor de uma mulher reside na sua beleza e na sua juventude, carreia consequências terríveis porque significa que, enquanto os homens podem envelhecer tranquilamente, para as mulheres o envelhecimento é o pânico já que o seu valor foi construído à volta da sua aparência e não da sua personalidade, conhecimento e cultura; numa palavra, valorizaram-se como objectos e não como pessoas. O facto, por exemplo, de as actrizes de Hollywood terem dificuldade em encontrar trabalho depois dos trinta, enquanto os seus colegas continuam a ser requisitados para os mais diversos desempenhos, nas diferentes fases das suas vidas, mostra bem como esta ditadura da beleza e da juventude atinge as mulheres e trucida as suas vidas.
Claro que é muito difícil inverter este panorama, chega mesmo a ser desesperante, porque toda a nossa cultura, televisão, filmes e publicidade, consumida acriticamente, o favorece. As mulheres que triunfam, na grande maioria dos casos, têm o seu sucesso ligado à beleza, à juventude e exploração do corpo e são esses os modelos apresentados às jovens; em contrapartida, as desportistas, jovens cientistas, artistas, escritoras, ou outras profissionais competentes têm uma exposição mediática reduzida. Também é preciso dizer que ser cientista, ou tão-somente uma profissional competente, exige estudo, esforço, perseverança, isto é, exige o cultivo de qualidades que não nos são dadas de bandeja e parece sempre mais apelativo tirar partido de atributos naturais, mas também aqui se está a esquecer o prazer que podemos encontrar no estudo e como é gratificante crescer intelectualmente.

3 comentários:

  1. eu sou uma mulher vaidosa, já fiz rinoplastia, vou fazer um dia a correção de minhas orelhas de abano, mas lamento que as mulheres hoje se submetam a este tipo de violência seja para ser amada, seja para ser sucesso, seja para ser admirada.
    esta semana fui rejeitada em diversas lojas onde fui procurar uma calça jeans, não sei se por estar acima do peso, ou acima da idade…rs

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  2. O post é um ótimo convite a reflexão sobre até onde vai nossa alienação em relação a nosso corpo, imagem e desejos. O tema é bastante polemico, acho que o convite é um inicio que nos pode ajudar a desvinciliar de algumas armadilhas. Muito bem redigido. Ana Laura

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  3. Ana Laura
    Penso que empregou a palavra certa: alienação; as mulheres que permitem ser reduzidas ao corpo deixam-se encerrar nele, recusam-se a si mesmas a capacidade de transcenderem a sua condição, de se projectarem para além dele, numa palavra desistem de realizar a sua humanidade.
    abraço, adília

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