terça-feira, 18 de maio de 2010

Masoquismo feminino ou fazer da necessidade virtude!?

É crença corrente e bastante divulgada que as mulheres são masoquistas; mas podemos perguntar se o são de facto, ou apenas - e já não é pouco, se têm comportamentos masoquistas?
O masoquismo é definido como uma perturbação de personalidade caracterizada pela obtenção de sentimentos de prazer através do sofrimento infligido por outros ou pela própria pessoa. Este termo, cunhado nos fins do século XIX pelo neurologista alemão Richard von Kraft-Ebing, foi retomado por Freud que considerou o masoquismo uma característica inerente à natureza feminina.
Na mesma linha interpretativa, a psicóloga Eleanor Galenson, da escola freudiana, considerou que: «coisas como a fantasia de estar a ser agredida ou fantasias de auto-punição são fenómenos que ocorrem mais comummente entre mulheres do que homens». Poderia ter acrescentado também, que essas fantasias sexuais acontecem, não porque as mulheres tenham tendências masoquistas inatas, mas porque o facto de imaginarem fantasiosamente que estão a ser agredidas ou violentadas decorre do molde em que é construída a sexualidade feminina; esta é condicionada fortemente pela erotização da violência sexual, como se pode constatar na pornografia «maistream», mas também na cultura popular e nas normas sociais que presumem sempre que a mulher se deve auto-sacrificar para garantir o bem-estar dos outros e ir ao encontro das necessidades destes, ao invés de investir na satisfação das suas próprias necessidades.
Podemos aceitar que as mulheres, muito mais do que os homens, revelam comportamentos masoquistas e explicar esses comportamentos como resposta à necessidade de evitar a rejeição e a punição social, pois como diz a psicóloga e investigadora canadiana Paula J. Caplan, o comportamento masoquista pode ser atribuído, por um lado, «à crença, baseada em experiência passada, de que é melhor ter expectativas limitadas e (por outro) ao esforço de evitar a punição, a rejeição ou a culpa.»
Caplan reinterpretou o designado masoquismo feminino como uma resposta comportamental que visa evitar a punição social e lidar de modo satisfatório com expectativas de vida e de realização pessoal muito limitadas, rejeitando assim a inevitabilidade do «masoquismo feminino» e também o pretenso carácter inato a que Freud e a psicanálise deram suporte, com os efeitos prejudiciais para a saúde das mulheres que conhecemos; Caplan considerou que este mito freudiano é mais um, entre muitos outros, que importa desconstruir e denunciar. Lendo os seus argumentos não podemos deixar de perguntar como é que a teoria de uma natureza feminina inerentemente masoquista foi tomada a sério durante tanto tempo e por tão boa gente, pois parece bem mais plausível a interpretação de Caplan que considera que o designado «masoquismo feminino», ao invés de ser a procura de prazer através da dor e do sofrimento é antes uma estratégia para evitar a dor.
Assim, por exemplo, quando se diz cinicamente que as mulheres vítimas de violência doméstica aceitam a violência de que são alvo porque são masoquistas, esquece-se - e aqui entra com certeza uma razoável dose de má fé, o contexto em que a existência dessas mulheres decorre e, de entre outros aspectos, o caldo cultural que as leva a aceitar e às vezes a perdoar o agressor, e esquece-se também a fragilidade estrutural da situação em que se encontram; como escreve Caplan: «Algumas destas mulheres são tão vulneráveis que estão ligadas não ao abuso, mas à afectividade esporádica que estes homens exprimem.»

De qualquer maneira, importa também denunciar que, para manter o status quo e a ordem social existente, há toda a conveniência em alimentar o mito do masoquismo feminino pois se nos convencermos de que a «alma feminina» é propensa ao sofrimento e ao sacrifício mais facilmente somos manipuladas e levadas a aceitar situações que de outro modo nos pareceriam intoleráveis.

2 comentários:

  1. Não sejamos ingênuos ou politicamente corretos. Masoquismo feminino é uma realidade muito frequente para ser ignorada. Freud tinha razão neste ponto

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  2. Quem está a ser ingénuo ou então é malicioso é o ilustre desconhecido, muito provavelmente do sexo masculino que devia era perguntar-se a quem serve esta 'brilhante ideia' do masoquismo feminino. Estamos conversados?!

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