sexta-feira, 10 de julho de 2009

Emancipação e trabalho social produtivo

Ainda às voltas com o feminismo liberal e com a crítica que o feminismo de inspiração marxista lhe faz, traduzo e transcrevo hoje um texto de Engels:

«… Emancipar a mulher e torná-la igual ao homem é e continuará a ser uma impossibilidade enquanto a mulher estiver excluída do trabalho social produtivo e continuar limitada ao trabalho doméstico privado. A emancipação da mulher apenas será possível quando a mulher tomar parte na produção numa larga e social escala, e o trabalho doméstico não exigir mais do que uma parte insignificante do seu tempo.
… Com a transferência dos meios de produção para a propriedade comum, a família singular deixará de ser a unidade económica da sociedade de produção. Os trabalhos domésticos privados serão transformados numa indústria social. O cuidado e a educação das crianças tornar-se-á um problema público; a sociedade cuidará de todas as crianças, quer elas sejam legítimas ou não.»[1]

Em minha opinião, e este tópico é mais ou menos consensual, Engels identifica correctamente o factor determinante da emancipação da mulher que passa pela participação no processo produtivo e não apenas no reprodutivo. É essa participação que lhe garante independência económica sem a qual nenhuma outra independência é consistente.
Por outro lado, o que verificamos, pelo menos no Ocidente, é que cada vez mais o trabalho doméstico conta com a ajuda dos homens e está simplificado: a indústria e a tecnologia oferecem electrodomésticos que facilitam as tarefas, refeições preparadas, louça descartável, etc. etc.
As crianças, desde tenra infância frequentam creches e jardins de infância e tanto o pai como a mãe ficam assim com disponibilidade para se dedicarem às suas carreiras profissionais e participarem no que Engels designa por trabalho social produtivo.
Aquilo que Engels não previu foi que todas estas transformações ocorreriam numa economia em que o privado ainda predomina, portanto, sem «a transferência dos meios de produção para a propriedade comum», não tendo acontecido a revolução que ele preconizava.

Pode dizer-se que, neste processo, os interesses das mulheres ainda não estão suficientemente acautelados; pode falar-se na dupla jornada; nos salários desiguais para trabalho igual, etc. etc. Mas o que não se pode negar é que a emancipação das mulheres está em curso, não tão acelerado como pretenderíamos, mas está, e que foi o feminismo liberal, não o marxista, que impulsionou e alimentou o processo.

Se me objectarem que não se pôs termo à opressão, que ainda há uns poucos seres humanos a oprimirem e a explorarem muitos, tenho de concordar, mas esse não é o problema prioritário que as feministas têm de resolver; aquilo que elas querem resolver, aquilo a que querem pôr cobro é à opressão e exploração das mulheres enquanto mulheres, e para isso vão no bom caminho.

[1] Engels: A Origem da Família, da Propriedade e do Estado

Sem comentários:

Enviar um comentário