quarta-feira, 13 de maio de 2009

Uma mulher notável

Mary Wollstonecraft foi um dos pilares do movimento feminista - que surgiu e se desenvolveu na Europa e nos Estados Unidos a partir dos tempos modernos. Teve uma vida tumultuada e breve, mas mesmo assim deixou sinais que a tinta da história não apagou.
Mary nasceu em 1759 na Grã- Bretanha; era a segunda de sete filhos de um pai irresponsável, alcoólico e perdulário que lançou a família na miséria; teve assim conhecimento em primeira mão e por experiência própria dos abusos que a família patriarcal permitia aos maridos, que podiam pôr e dispor dos bens que as próprias mulheres traziam para o matrimónio.
Mary viveu apenas 38 anos pois morreu em 1797 de complicações do parto da sua segunda filha, a futura escritora Mary Shelley; teve uma vida assinalada por dificuldades económicas que sempre procurou superar através de ocupações várias, desde dama de companhia e também governante em casa de famílias aristocráticas e abastadas, até fundadora e directora de uma escola para jovens raparigas, e, sobretudo, colaboradora em revistas, tradutora e escritora, num universo até então praticamente dominado em exclusivo por homens.
No plano pessoal e amoroso, uma primeira ligação com Gilbert Imlay, do qual teve uma filha ilegítima - o que à época era um terrível estigma, causou-lhe sofrimento e desespero que a levou mesmo a uma tentativa de suicídio. Posteriormente, casou com William Godwin, jornalista, escritor e teórico anarquista, quando esperava a sua segunda filha; os dois eram contrários à instituição do casamento que aprisionava as mulheres num colete de forças legal, retirando-lhes os poucos direitos que as não casadas ainda usufruíam, mas decidiram pactuar com a situação, tendo em vista preservar os interesses da filha que haveria de nascer. Embora vivessem em casas separadas, unia-os o respeito e o companheirismo; infelizmente, esta promissora união terminou com a morte prematura de Mary.
Mary Wolstonecraft escreveu vários livros, mas o mais conhecido foi A Vindication of the Rights of Woman, no qual critica a educação que na época era ministrada às jovens e reivindica direitos para as mulheres, muito especificamente o direito a acederem à verdadeira educação que as preparasse para a vida e que não se preocupasse em ministrar-lhes apenas as prendas domésticas que as tornariam boas esposas e mães de família.
M. W. critica o sexismo de Rousseau, defendendo que as mulheres como seres humanos são espiritualmente iguais aos homens, tanto do ponto de vista intelectual como quanto a capacidade moral. Duas importantes ideias que filósofos, e homens em geral, rejeitavam, reservando para as mulheres o estatuto de menoridade intelectual e moral; a rejeição dessas ideias servia ainda para justificar o tipo de educação que deveriam receber. Ora M. W. tem bem a noção de que o direito à educação será o trampolim para a emancipação, contrariando Rousseau, mas também Kant, e muitos outros, que justificavam o desigual tratamento dado às mulheres numa pretensa deficiência ou falta no domínio da racionalidade que as incapacitaria para o exercício de determinados papéis. Por isso, M. W. defende insistentemente que a mulher, tal como o homem, é um ser dotado de razão e da capacidade de se deixar determinar racionalmente e que distinções artificiais de género corrompem as relações entre homens e mulheres.

Passados duzentos e cinquenta anos após a morte de Mary Wollstonecraft, que foi a todos os títulos uma mulher notável, ainda hoje nos surpreendemos e ficamos quase incrédulas quando sabemos que na monumental e brilhante Enciclopédia (projecto de Diderot e D’Alembert) ela vêm registada na letra P (das prostitutas), um sinal de tempos em que, apesar dos progressos e das luzes da razão, a misoginia continuava no seu melhor.

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