quinta-feira, 28 de maio de 2009

Ética e sexo

A agência moral, isto é, a capacidade de reger a própria conduta por princípios éticos é a marca de uma humanidade evoluída. Esta capacidade foi frequentemente negada à mulher sob pretexto da sua inferioridade no plano racional. É conhecida a este respeito a posição de Kant, que chegou a afirmar:

«As mulheres evitarão o iníquo não porque é injusto, mas porque é feio; as acções virtuosas têm para elas significado na medida em que são moralmente belas. Nada de dever, nada de compulsão, nada de obrigação! A mulher é intolerante em relação a todas as ordens e a todos os sombrios constrangimentos. Faz algo apenas porque lhe agrada e a arte consiste em conseguir que apenas lhe agrade o que é bom.»[1]

Repare-se no certificado de menoridade intelectual que Kant passa às mulheres e na complacência com que as trata como se de crianças estivesse a falar. No filósofo paladino do Dever e da obrigação moral negar às mulheres capacidade para se deixarem determinar por ele equivale a negar-lhes acesso ao universo da ética que seria exclusivamente masculino e presta-se para justificar a subordinação da mulher ao homem como da criança ao adulto.
A ética de Kant é uma ética racionalista e o que é certo é que o lugar-comum de que a mulher, mais próxima da natureza, é um ser mais sensível do que racional, apesar dos impropérios de Kant, ainda hoje é frequentemente defendido. Mas, por outro lado, hoje também começa a questionar-se a legitimidade de uma ética centrada exclusivamente na razão, numa razão pretensamente pura e alheia à interferência de outros factores, numa razão que, enquanto conceito criado pelos filósofos (homens), reflecte as características que eles próprios a si mesmos atribuem.
É tempo de pôr em causa a ética kantiana, dominante no Ocidente há mais de dois séculos, e é tempo de perceber que outras perspectivas têm sido negligenciadas na apreciação da conduta ética dos seres humanos.

No meu próximo post procurarei reflectir sobre as virtualidades da ética humeana que curiosamente é bem anterior à proposta de Kant e que me parece mais interessante e compatível com características tradicionalmente atribuídas às mulheres.

[1] Kant: Observações sobre a Distinção entre o Sentimento de Belo e de Sublime

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