segunda-feira, 11 de maio de 2009

As armadilhas do sexismo benevolente

Condorcet e Stuart Mill já tinham alertado as mulheres para os perigos do sexismo benevolente, mas elas não aprenderam a lição, ou então ninguém as ensinou: de facto os textos em que estes autores expõem as suas ideias sobre o tema foram na prática escamoteados.

Como referi anteriormente, muitas mulheres aceitam sem dificuldade, e por vezes até encorajam, o sexismo benevolente não se apercebendo dos riscos que isso comporta em termos da luta pela construção de uma sociedade mais igualitária - que ele obviamente prejudica. Muitas mulheres não percebem que acaba por existir relação entre sexismo benevolente e sexismo hostil e que o homem que revela o primeiro está pronto a manifestar o segundo tão logo a mulher insista em afirmar os seus direitos, não se contentando apenas com a complacência masculina e com o recato do lugar que para ela ele determinou.

Há duas características do sexismo benevolente que são particularmente perigosas pelo atractivo que comportam: (1) Por um lado, o sexismo benevolente enfatiza diferenças que, pelo menos aparentemente e na opinião do homem, favorecem a mulher: esta é percebida como mais sensível, mais generosa e altruísta, com maior sentido ético. (2) Por outro, encara a mulher como um ser a reverenciar e a admirar tanto psíquica como fisicamente: a mulher, possuidora das características acima referidas, seria merecedora da admiração e do respeito do homem.
Mas podemos ver como isto pode funcionar como armadilha na qual é fácil as mulheres caírem, sem se aperceberem de que, no mínimo, estão a ser ingénuas, contentando-se com elogios hipócritas e com um simulacro de poder a que só algumas, mais manipuladoras, conseguirão dar alguma consistência.

Relativamente ao primeiro aspecto – superioridade ética, as mulheres receptivas ao sexismo benevolente deviam perguntar-se das razões que podem explicar a contradição entre a proclamada superioridade que os homens lhes atribuem e o estatuto de obediência e de submissão que paralelamente lhes exigem; já no século XIX, Stuart Mill nos alertava para essa contradição:

«Declara-se que elas (as mulheres) são melhores do que os homens; um cumprimento vazio que deveria provocar um sorriso amargo em todas as mulheres de espírito, já que na vida não existe nenhuma outra situação na qual a ordem estabelecida e considerada perfeitamente natural e adequada seja a de o melhor dever obedecer ao pior.»[1]

Relativamente ao segundo aspecto – respeito e admiração, muitas mulheres contentam-se em aceitar a admiração que os homens lhes manifestam e pensam que é suficiente exercerem sobre eles a atracção (sexual) que lhes conferirá poder, uma espécie de império sobre os homens que seria o sucedâneo dos direitos e que tornaria desnecessário lutar por um estatuto igualitário. Mas um outro pensador, Condorcet, nos fins do século XVIII, de forma irónica e subtil, mostrou como as mulheres podem ser tolas ao trocarem admiração e império pelos direitos. Era este precisamente o objectivo de Rousseau, um dos expoentes máximos do sexismo da época, que lhes recusava direitos elementares acenando-lhes em troca com o proclamado império que exerceriam sobre os homens. Escreveu Condorcet:


«Receio antagonizar as mulheres, se alguma vez lerem esta carta; porque eu falo dos seus direitos à igualdade e não do seu império sobre os homens. Podem suspeitar que eu alimente um secreto desejo de diminuir esse poder; e, depois que Rousseau ganhou a admiração das mulheres, ao declarar que elas apenas estavam destinadas a cuidar de nós e prontas a atormentar-nos, não posso esperar conseguir a sua aprovação.”[2]


Condorcet e Stuart Mill, pensadores feministas, lutaram pela igualdade de mulheres e de homens, não seguiram o caminho hipócrita de Rousseau, mas pelos vistos muitas mulheres não perceberam e não percebem ainda que estão a fazer um mau negócio ao trocarem direitos por lisonjas. Até quando continuarão equivocadas?


[1] Stuart Mill: The Subjection of Women
[2] Condorcet: Lettres d’un Bourgeois de New Haven

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