quinta-feira, 23 de abril de 2009

Raízes da misoginia na tradição cristã







«As fundações da misoginia cristã – a sua culpa em relação ao sexo, a sua insistência na submissão da mulher, o tema da sedução feminina – estão nas Epístolas de S. Paulo. Elas fornecem um conveniente suplemento de textos misóginos divinamente inspirados para qualquer escritor cristão que os queira escolher; as suas declarações sobre a submissão da mulher foram ainda citadas no decurso do século XX pelos opositores da igualdade das mulheres.»[1]

Como Katharine Rogers aponta, a misoginia cristã, que tem perpassado toda a cultura ocidental, repousa basicamente em três aspectos fundamentais: (1) percepção negativa que o Cristianismo manifesta sobre a vida sexual; (2) percepção da mulher como sedutora e como a personificação da tentação; (3) defesa da necessidade de submissão da mulher ao homem.

A percepção negativa que o Cristianismo tem do sexo foi amplamente exposta e desenvolvida por S.Paulo e seguida pela generalidade dos Padres da Igreja nos primeiros séculos do Cristianismo. No Cristianismo, como de uma maneira geral em todas as religiões, a separação entre o corpo e o espírito é um aspecto fundamental; o corpo, imperfeito e perecível é obviamente depreciado e o espírito incorruptível e eterno é exaltado. Com o corpo, o instinto e a necessidade sexual são condenadas; por arrastamento são condenadas também as relações sexuais apenas admitidas no casamento como um mal menor que, por um lado, evita um pior desregramento sexual e por outro garante a sobrevivência da espécie. Os padres da Igreja apenas toleraram o casamento, mas elogiaram o celibato como a situação mais desejável.

Como para o homem o objecto do desejo sexual - que ele pretende reprimir, é a mulher e como se sente culpado por apesar de tudo sentir esse desejo, por um mecanismo psicológico compreensível, projecta na mulher todo o sentimento de pecado e de negatividade que o sexo lhe merece. Deste modo se explica a mundividência que apresenta a mulher (Eva) eterna pecadora e sedutora, como aquela que personifica o mal de que o homem deve fugir porque é sempre ela que o induz em tentação.

Por sua vez, esta visão depreciativa da mulher leva à prescrição da sua submissão ao homem e ao recurso à autoridade divina para a legitimar: O homem há-de estar para a mulher como Cristo para a sua Igreja e qualquer desobediência a um ou a outro é vista como pecaminosa e inaceitável.
Temos assim como a rejeição e a repressão do sexo conduziu à depreciação e ao ódio do objecto sexual identificado com a mulher e à subsequente tentativa de reduzir a mulher a esse estatuto para reforçar a sua depreciação e respectivo controlo. É certo que na origem deste processo estiveram motivações inconscientes; é certo que os instrumentos conceptuais utilizados pareciam a todos muito plausíveis; é certo que só nos dias de hoje começamos a desconstruir e a perceber com mais nitidez o processo, mas nem por tudo isso ele foi - e é ainda, menos injusto e pernicioso.

[1]Katharine M. Rogers: The Troublesome Helpmate: A History of Misogyny in Literature.

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