sexta-feira, 3 de abril de 2009

O «pecado original» das mulheres

Tomo a expressão de Mary Daly que no seu livro «Beyond God the Father: Toward a Philosophy of Women’s Liberation» a reenvia a quem de direito, ou seja à própria religião patriarcal, considerando que «o mito revela a "Queda" da religião no papel de prostituta do patriarcado.»
O pecado original das mulheres foi terem interiorizado o sentimento de culpa pelos males que a humanidade teria de sofrer, não se apercebendo que estavam a ser usadas como bode expiatório, - como o «outro», tão necessário a qualquer grupo social para reafirmar e dar consistência à «sua natural bondade». Tornaram-se desse modo cúmplices da sociedade sexista que deveriam afrontar. Mas convém lembrar que essa cumplicidade, ainda hoje notória, foi forçada por processos de condicionamento que era difícil denunciar e sobretudo combater até porque tinham o aval da religião estabelecida, como podemos deduzir deste pronunciamento de Tertuliano, doutor da Igreja:
«Tu és a porta de entrada do diabo … Quão facilmente conseguiste destruir o homem! Por causa da morte a que nos condenaste, mesmo o Filho de Deus teve de morrer.»
Diferentemente de qualquer outro grupo oprimido, as mulheres encontravam-se, e encontram-se, profundamente divididas na medida em que dependências de vária ordem, desde as económicas às afectivas, as isolam e separam, e contribuem para que se sintam dividas em si mesmas, isto é, há uma parte do seu eu que reage, mas há outra que como que exige capitular e impele à desistência.
As mulheres deparam-se assim com a pior situação possível para empreender a luta contra o sexismo, sempre confrontadas com mecanismos sociais de controlo que passam pela ironia sarcástica, pelo insulto e por comentários mais ou menos torpes que tendem a desvalorizá-las. Todavia, embora não seja suficiente tomar consciência desta situação, é importante e mesmo imprescindível fazê-lo, porque, a partir desse momento, nada mais será como dantes.

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