domingo, 29 de março de 2009

Liberdade e feminismo

O movimento feminista entende que as mulheres não partilham igualmente os bens que a sociedade coloca à disposição de todos; de entre estes, destaca a liberdade que, no decurso do processo histórico, foi, e continua a ser, um bem desigualmente distribuído.
Mas o que é a liberdade, ou melhor, o que é ser livre? Porque é importante sermos livres? Como podemos consegui-lo?
O que a liberdade seja em si mesma e em geral é um problema que não recebeu resposta satisfatória por parte dos filósofos que responderam diversamente e não conseguiram pôr-se de acordo, daí a necessidade de contextualizarmos quando falamos em liberdade ou em ser livre.
Dizemos que uma pessoa é livre quando tem o controlo do seu destino, quando não é controlada por outras. Penso que este é uma espécie de máximo divisor comum sobre o qual todos nos podemos pôr de acordo. Claro que nunca ninguém tem o controlo total, e por isso nunca podemos dizer que somos livres, apenas podemos dizer que somos mais ou que somos menos livres, que o grau de liberdade de que gozamos é maior ou menor.
Todos percebemos também, presumo, que uma pessoa que possui conhecimento e outros bens, nomeadamente bens materiais, e que não se encontra sob o domínio de outra, tem mais hipótese de poder controlar o seu destino do que aquela que não possui tais bens ou que usufrui deles muito escassamente ou que se encontra integrada numa relação de domínio/submissão na qual ocupa o segundo lugar. Controlar a própria vida implica ter opções, poder escolher, ter capacidade de decisão; e a abrangência da liberdade de cada um depende do número e da qualidade de opções que tem à sua disposição. Mas, por sua vez, a percepção das opções depende estreitamente de um razoável grau de informação e da diversidade dessa mesma informação e novamente encontramos esse bem precioso que é o conhecimento no coração da liberdade. Uma decisão livre é a que aumenta a nossa possibilidade de escolhas não a que a diminui e podemos aceitar isto como critério para aferir da justeza dos nossos procedimentos. Quanto maior for a nossa oportunidade de escolhas maior será também a nossa liberdade. As condições básicas para alguém ter controlo sobre a sua própria vida incluem a existência de recursos materiais próprios que lhe garantam independência económica e o conhecimento, em termos de informação e de inteligência, para saber quais são as escolhas que tem à sua disposição; quais as escolhas que podem vir a limitar a sua liberdade, quais as que a podem expandir. Mas será sempre um atentado contra a liberdade de uma pessoa impedi-la, mesmo numa atitude de paternalismo, de fazer uma opção, ou limitar o seu leque de opções, desde que essa sua opção não contrarie por sua vez a liberdade dos outros.
Em relação a este bem que é a liberdade, o que as mulheres sentem, ou pelo menos muitas mulheres, é que o quinhão que lhes coube foi extremamente diminuto porque os homens apropriaram-se dele e tudo fizeram, através de artifícios sociais e culturais, para reduzir o lote que a elas seria destinado: barraram-lhes o acesso ao conhecimento; dificultaram-lhes ou impediram mesmo a posse e o gozo de bens materiais; impuseram-lhes a tutela jurídica de irmãos, pais e maridos e ainda enalteceram sempre uma postura de submissão e de subserviência em relação ao homem, que consideraram muito natural, e que elas acabaram por interiorizar o que representou uma outra perda em relação à liberdade – a perda da própria liberdade interior.
Ser livre é importante, é algo que valoramos positivamente, pois consideramos, na senda de Kant, que o estatuto da pessoa implica que ela seja livre e que só pode realizar-se e desenvolver-se como pessoa se possuir esse atributo. Convém todavia salientar que a necessidade de auto-realização pessoal só se impõe com premência depois de satisfeitas outras necessidades mais básicas, como as relacionadas com a sobrevivência e a segurança. E aqui penso estar a responder àqueles que podem objectar com os exemplos de muitas mulheres que optam livremente por sacrificar a liberdade à segurança ou a outros valores que consideram preferíveis: escolhem casar nos moldes tradicionais; escolhem ataviar-se para agradar aos homens e obter deles protecção; escolhem participar em concursos de beleza. Estas escolhas podem ser, pelo menos na aparência, livres, não nos cabe dizer que não foram livres, mas podemos questionar em que contexto ocorreram e perguntar se, num lote de opções que não era brilhante à partida, as mulheres em causa não acabaram por escolher o que era menos mau e não o que realmente queriam. Acresce ainda que a muitas mulheres o que parece faltar é a liberdade interior que já referimos e neste caso, as palavras de Janet Radcliffe Richards, em the Sceptical Feminist permitem compreender o mecanismo responsável por essa carência:
«A dominação dos homens tem sido tão completa que o masculino penetrou na alma das mulheres fazendo-as escolher em benefício dos homens e contra os seus próprios interesses. Que elas se sintam livres está fora de questão. Tudo o que mostra é quão bem foi realizado o trabalho de condicionamento.»
No mundo ocidental, conquistadas as liberdades formais, importa agora completar o processo e, passando à etapa seguinte, conquistar as liberdades de facto. No caso concreto dos países do ocidente, por um lado, o que falta ainda a muitas mulheres é liberdade interior e, por outro, falta alargar o leque das suas opções e a percepção das mesmas; em qualquer dos casos só o desenvolvimento no campo do conhecimento e da cultura poderá ajudar a resolver o problema pois a ignorância continua a ser o principal entrave à liberdade das pessoas que, não conhecendo sequer as opções que têm a sua disposição, agem como se estas não existissem.

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